quinta-feira, 25 de junho de 2009

“A sociedade dos poetas mortos” na Segurança Pública do país



“A sociedade dos poetas mortos” na Segurança Pública do país

Por Sebastiao Uchoa

É mais do que evidente a crise por que passa o Sistema de Segurança Pública do país, mais precisamente levado a efeitos dentro das organizações Polícias Militares, Civis, Federais (a Judiciária e Rodoviária Federal) e dos próprios Corpos de Bombeiros Militares em quase todos os estados da Federação brasileira, pois vemos situações de conflitos de competências, confrontos em razão da várias crises existenciais associado as disparidades salariais, desestruturas materiais, humanas e profunda inversão de valores para com as missões por que desempenham cada mencionado órgão, já que originariamente, encontramos diversas motivações históricas incrustadas em suas criações que terminaram perdendo ou prestes a perderem suas identidades diante da complexidade da demanda revelada na violência criminal em detrimento da paz social nesse imenso território de vulnerabilidade social que é o Brasil de hoje.

Pode-se até mesmo aproveitar e adaptar o conceito da teoria sociológica da “anomia” (ausência da eficácia das normas) para bem definir sociológica e ontologicamente o fenômeno que vem acontecendo nos modelos de gestões praticados pelos órgãos em apreço, onde, facilmente poderemos ter de nos socorrer, também, do conceito técnico de Administração denominado “entropia” (falência múltiplas dos sub- órgãos que compõem uma grande organização), para bem caracterizarmos realistamente o “belo” quadro social-orgânico das polícias, vindo à tona diante da imensa caoticidade que vem sobrevivendo a sociedade brasileira nesses últimos vinte anos para com o enfrentamento da criminalidade urbana, assim como mantê-la sob patamares toleráveis para um bom e seguro convívio dentro de uma sociedade que se diz “politicamente organizada”.

Não é difícil enumerar as questões básicas que fazem qualquer intérprete conhecedor da matéria em admiti-las como sendo premissas verdadeiras e de extrema preocupação para quem queira efetivamente praticar gestão pública no seio das organizações policiais brasileiras, onde, tomando como base o pensamento de Max Weber que “a burocracia moderna não é apenas uma forma avançada de organização administrativa, mediante método racional e científico, mas também uma forma de dominação legítima”, ou seja, dar-se uma valoração absoluta à questão da racionalidade instrumental buscando relações de dominações e auto-afirmações nas relações pendentes (hierarquias verticalizadas, por exemplo), e se esquecem que além do racional, há inúmeros fatores imateriais de ordens subjetivos que não podem sofrer abstenções, sob pena de ficarmos numa eterna “roda viva”, sobretudo em repetições dos erros do passado no presente, cuja pagadora reiterada desses descasos corporativos alienados, será mais uma vez a sociedade que nos assiste sem ser assistida por todos nós que compomos o Sistema de Segurança Pública do país, que pesem os esforços localizados de algumas heróicas administrações ainda sobreviventes ou de ações pontuadas dentro dos segmentos policiais aqui acolá existentes.

Foi preocupado com esse “estado de coisa” que o estado de Minas Gerais resolveu compor equipe de especialista a fim de apresentar propostas concretas que viessem viabilizar inovações e romper com os paradigmas do passado, principalmente que apontassem de forma contunda elementos subjetivos e objetivos convencedores para uma decisão política diante do caos por que vinham ou ainda vem passando as polícias daquele estado. De forma que colocaram em discussão oito pontos vistos como estranguladores a mudanças organizacionais, quais sejam: “a) existência no meio da organização policial de uma internacionalização das regras e exageros dos regulamentos (muito presente nas casernas e quase ausentes nas forças policiais civis); b) excesso de formalismo e papelismo; c) resistência às mudanças; d) despersonalização do relacionamento; e) categorização como base do processo decisório; f) superconformidade às rotinas e procedimentos; g) necessidade de exibição de sinais de autoridade e h) uma dificuldade no atendimento aos clientes e conflitos públicos”.

O conveniente das discussões acima é que resultou na elaboração de várias proposições, inclusive utilizando como “canal de libertação”, o indispensável fortalecimento do instrumento de renovação cultural dentro das organizações em geral: processo contínuo de capacitação funcional através dos centros de ensino policiais estatais ou privados, desde que estes tenham históricos de pesquisa e ensino sobre questões voltadas à segurança do cidadão em todas vertentes de presença estatal e configurem como elementos centrais de disseminações de conhecimentos que possam deflagrar saídas concretas para a letargia estatal diante dos modelos de gestões estudados e ainda em curso no país. É preciso humildade para aceitar a crescer internamente e externamente, isto é, que nos abramos a uma visão sistêmica dos problemas que afligem a todos.

Interessante que não é difícil encontrarmos os itens acima em quase todas as organizações policiais brasileira, daí a necessidade de se repensá-las urgentemente tornar-se coisa inquestionável, levando em consideração fatores históricos, administrativos, sociais e como expressão de Política Pública devidamente institucionalizada como questão de Estado, primordialmente para que não se fiquem, mencionados órgãos, reféns de situações passageiras perante a execução de suas atividades, ou seja, que haja estímulo, paixão, amor a causa, envolvimento, compromisso e respeito à coisa pública que é a prestação de serviços de segurança à população da maneira mais protetiva possível, já que são as bases e as razões de existência dos referidos órgãos.

Asseverar ou tentar subestimar (muito comum nos pensamentos acadêmicos e de desavisados de plantão) que “não existem mentes competentes e isentas” dentro das organizações policiais capazes de apontar saídas para a situação em apreço, justamente pelo preconceito oriundo da idéia do “corporativismo existente dentro das organizações policiais”, é tentar de forma redundante subjugar pessoas e profissionais que, mesmo tendo vínculos com mencionadas forças policiais, com certeza entendem as perfeitas, necessárias e imprescindíveis mudanças no Sistema de Organização Policial do Brasil, principalmente dentro do conceito nacional em voga de se promover “Segurança Pública com cidadania”, tão pregado pelo Governo Federal através do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI/SENASP-MJ, onde, um conjunto de investimentos em estruturas humanas e materiais a curto e médio prazos precisam ser postos em prática nas gestões policiais nesse país afora de maneira efetiva e institucionalizada, já que praticamente o que vemos são programas sazonais de governos locais e até mesmo díspares, prontos para nascerem e com datas certas para morrerem em razão dos períodos eletivos pertinentes. Residindo aí, também, ponto sensível a se repensar aludida situação com a penalidade máxima de voltarmos sempre a estaca zero e precisarmos sempre recomeçar todas as ações, porém com novas infelizes denominações. E esse ciclo se repete tristemente anos a fios...

E o pior, para as mentes aguçadas e comprometidas com as instituições por que fazem formalmente partes, terminam se obrigando pelas circunstâncias a se calar diante das medíocres resistências internas (muito comum na luta por espaço dentro das organizações, olvidam que são passageiros e fragmentados) e preconceitos externos já não latentes, restam-lhes adentrar na “sociedade dos poetas mortos”, até que um dia, sejam ressuscitadas das cinzas produzidas pela ignorância, egoísmo, apego ou pobreza espiritual de cada membro pertencente às organizações policiais que, de formas direta, indireta, adormecida ou propositalmente, contribuem para que o caos orgânico policial brasileiro permaneça da forma que está, geralmente mediante uma insensibilidade tamanha, reveladas, às vezes, sejam no mal atendimento aos contribuintes brasileiros ou deixando de atendê-los ao inverterem valores de prestação dos serviços públicos propriamente dito. E o mais grave: só não querem servir de vidraças diante do clamor da sociedade brasileira nesses últimos anos de desespero externado pelo aumento vertiginoso da violência criminal, tomado conta nas diversas capitais brasileiras, já que arranjam inúmeras desculpas como forma de safarem de uma co-responsabilidade diante do caos por que vivemos cotidianamente neste país.

No fundo o mais fácil e cômodo são alguns profissionais do Sistema de Segurança Pública repassar a responsabilidade para um terceiro despersonalizado e ausente socialmente que é o Estado Brasileiro ou suas formas de gestões federativas estaduais por não criar, despertar ou temer produzir memória para que suas organizações policiais promovam mudanças definitivas e promissoras que venham a fazer parte do contexto organizacional policial no Brasil, sobretudo dando-se autonomia administrativa, financeira e política às mesmas para que, pelo menos em médio prazo, a sofrida patroa de todos volte a assimilar confiança no aparelho de segurança pública em virtude do completo sentimento de desamparo institucional hoje bastante presente, face aos descasos por que ainda se fazem em todas as organizações que compõem o Sistema de Segurança Pública brasileiro, embora, e muitas vezes, por verdadeiras omissões, somos culpados em não queremos assumir nossa contribuição diante do mau desenho de gestão das polícias brasileiras nesses últimos anos, como dantes já expostos.

Sebastião Uchoa – Delegado de Polícia Civil do Maranhão, membro da Diretoria Executiva da ADEPOL/MA e atual Diretor Geral da Academia Integrada de Segurança Pública AISP/SSP-MA

Um comentário:

  1. Olá, sebastiao uchoa,

    Sua colaboração "“A sociedade dos poetas mortos” na Segurança Pública do país "
    para o site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
    acaba de completar a votação necessária e ser publicada em
    definitivo. Ela agora está disponível no link:

    http://www.forumseguranca.org.br/artigos/a-sociedade-dos-poetas-mortos-na-seguranca-publica-do-pais

    Abraços e parabéns!

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