sábado, 3 de outubro de 2009

Quando a regra do “jogo” é a omissão

“Feliz de quem entende que é preciso mudar para ser sempre o mesmo”- D. Hélder Câmara

Quando a regra do “jogo” é a omissão


Por Sebastião Uchoa

Omitisse às inúmeras provas que a vida nos impõe como testemunho de um caráter e personalidade virtuosos, constitui, talvez, marcas negativas de nossas assinaturas por onde passaremos na estrada de vida.

O grande livro indiano Bhavagad Gita, também chamado “A sublime canção”, lido e relido pelo roqueiro Raul Seixas, dentre outras composições realizadas, resultara na belíssima música “Gita”, onde bem delineia como podemos, por uma escolha consciente, conduzirmos pior ou melhor nossa vida.

Há, interpretando a obra acima, na verdade, três formas para conduzirmos a vida rumo a um verdadeiro processo de redenção, resgate ou eliminação de supostas dívidas do passado no presente reconstruindo o espaço social do qual possamos ou estaremos fazendo parte, quais sejam: primeiro poderemos agir de forma objetiva, doa a quem doer, o importante é “se dar bem”; a segunda, não tão diferente da primeira, deixamos de agir, por conveniência, oportunismo ou maneira de não se incomodar ou “atrapalhar” alguém, conquanto que estejamos de forma indireta, também, tirando proveito da situação; a terceira e última, também de forma ativa, mas gloriosa, recomenda que não percamos tempo na trilha efêmera da vida física, situação em que cada segundo de tempo do viver dever ser aproveitado para um eterno agir, porém, buscando o bem comum, sem buscarmos retornos individuais ou meramente egocêntricos, mesmo que venhamos a cometer erros em ações realizadas.

Vejam bem, as duas primeiras recomendações acima, referem-se a um ser que, tanto de lado como doutro só pensa em conseguir vantagens, pois o segredo do sucesso, é se dar simplesmente “bem”, através de suas condutas comissivas e omissivas, respectivamente.

Mesmo assim, vemos esperanças na caminhada quando, por opção de uma consciência livre (o que não é fácil), prefiramos agir de forma incondicional, buscando sempre e sempre o bem-estar da coletividade, ainda que essa coletividade seja deveras formada por inúmeras diferenças individuais (e até mesmo ingrata por vezes), ou melhor, agi-se por uma ação benévola “doa a quem doer”, porém o mais importante aí é sentir-se bem diante da felicidade de um todo, mesmo que valha até mesmo o sacrifício da vida do diferente caminhante que assim venha optar conduzir sua vida.

Sabe-se que as duas primeiras hipóteses correspondem, necessariamente, aos modelos de expressões humanas desses últimos anos, sobretudo por uma perversão histórica carregada, talvez, por um atavismo ou fortemente por uma cultura impressa ao longo da formação de nossa personalidade ou dos modelos de espectros sociais ditos contemporâneos. É só observar nossos colegas, amigos ou estranhos na combalida convivência social dita moderna, onde necessariamente os comportamentos adjetivados acima, são de tamanha presença na vida de cada indivíduo e por que não em nós mesmo?

Existe o ditado que “o pior dos cegos é aquele que não quer vê” ou prefere se esconder nas desculpas fáceis que têm a disposição para simplesmente justificar suas omissões diante de uma pervertida e passagem da regra do “jogo da vida” por mera escolha para o seu viver.

Ora, jogo por jogo, é a eterna “luta dos contrários” que alimenta toda evolução da vida no planeta Terra, onde, nas relações humanas, quem mais se desempenha, por mérito, e às vezes por desmérito, “mereça” a vitória, mesmo que os infortúnios que poderão aparecer diante das “partidas” no jogo da vida.

O certo que é possível ver isso na história cristã sendo reproduzida aqui acolá, ou seja, ainda e por muito tempo, poucos irão morrer em detrimento de muitos que só após longa experiência vivida, acordarão que só pensando irmanadamente em objetivo comum, poderemos realmente transformar o mundo externo, mas começando pelo nosso próprio mundo, por conseguinte, sem isso, somente falácias que emitimos e nos emitimos para se dar um sentido abstrato ao nosso mero viver.

A “Revolução dos Bichos” de Orwelle que nos assevere bem a proposição acima, principalmente ao demonstrar que o vírus ou bactéria do submundo egocêntrico que se faz presente dentro de todos nós, em especial, dos apaixonados e revelados pôr e para o poder face a necessidade eterna de uma auto-afirmação de personalidade ou, por doença mesmo, possua sonhos e sonhos de uma fantasia nunca desfeita em razão do que mais profundo se faça presente na caminhada de um ser que assim somente venha a pensar.

O filósofo grego Sêneca bem colocou que “tolo é aquele que afunda seus navios por duas vezes e fica culpando o mar”. Verdade essa premissa e bem aplicada a qualquer situação por que nos envolvemos diante da forma que conduzimos nossa vida pessoal ou profissional, circunstância em que mesmo sabendo que o mar é invencível (a vida em si mesmo ou algo que esteja em nossa frente), não melhoramos as condições materiais de nossas “embarcações” (valores internos e fortalecimento de ideais) para enfrentarmos as grandes turbulências dos “mares” agitados, já que estamos sempre arranjando pretextos em nosso existir, pois na imensidade do mar da vida (o viver cotidiano), altos e baixos ocorrerão com freqüência, e o segredo, talvez, seja optarmos acomodadamente continuar culpando o “mar” sem fazermos modificações na estrutura mental de nossas “embarcações” (em nosso ser).

É até possível que a saída bíblica de que “muitos serão chamados, e poucos serão escolhidos”, refira-se àqueles que optaram pela terceira recomendação do Gita. Quiçá seja o suspiro do Cristo dentro de nós e que tanto o renegamos reiteradamente?

E assim, sabe-se que, como meta para se conduzir verdadeiramente uma vida rumo a contribuição pessoal que podemos dar em nossa passagem pela Terra e, portanto tentarmos transformar o meio do qual estejamos participando (organizacional, familiar, social, político, religioso etc), seja preciso fazermos a escolha consciente que possamos realisticamente nos dar sustentação a qualquer forma que venha a nos reduzir à aceitação de que a regra do jogo deva ser pela omissão em detrimento da ação benéfica que oportunamente tenhamos de fazer para continuarmos a caminhada e fazermos as diferenças por traços de passagens, que demonstrem efetivamente nossa existência na jornada tão curta que tenhamos a cumprir por esta Terra ainda no por vir, desde que façamos a exceção à regra da mediocridade supra, demonstradamente nas aventuras do presente em nosso oportuno viver, mesmo que de forma ousada e mal interpretada pelos incautos de plantão, como sempre há de acontecer.

Sebastião Uchoa – Delegado de Policia Civil, membro da Diretoria Executiva da ADEPOL.

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