segunda-feira, 25 de maio de 2009

A “outra” face conciliadora da Autoridade Policial

A “outra” face conciliadora da Autoridade Policial

Por Sebastiao Uchoa

Estamos entrando na era de outras gerações do direito, cujo tempo requer a imprescindível tomada de consciência político-social por parte das autoridades policiais, entre outras operadoras do direito. Notadamente os Delegados de Polícia que, à luz dos novos paradigmas, precisam acordar para essa nova realidade reclamada socialmente, que digam os dispositivos contidos na Lei 9.099/95 e suas modificações sucessivas, ao confirmarem profundamente essa assertiva no campo das infrações penais de menor potencial ofensivo por meio de seus princípios basilares.

A concepção punitiva-retribuitiva, muito comum no imaginário dos operadores do direito, sobretudo aos adeptos à corrente filosófica jus positivista (infelizmente doutrina massificada em atuação no campo do Direito Penal), é quem tem vedado qualquer possibilidade de se enxergar outra função social inerente ao cargo de Delegado de Polícia, principalmente no profundo espaço conturbado por que vivem os demais segmentos sociais brasileiro, pois não é à toa que os conflitos, ainda que de pequena monta, têm se estabelecido, e muita vezes quando mal gerenciado em sede da Delegacia de Polícia, deságuam em violência criminal de grande tamanho nos noticiários em geral.

A Lei 9.099/95 em nada impede que haja tentativa de conciliação prévia antes da lavratura do procedimento policial sumário denominado de Termo Circunstanciado de Ocorrência - TCO, pelo Delegado de Policia a frente do caso in concreto. E me parece que o adágio “quem pode o mais”, certamente “pode o menos”, principalmente quando a paz social está em iminente perigo, bem se aplica à situação.

E é exatamente aí que entraria a tamanha contribuição das Autoridades Policiais em, despertando em si que dentre as várias atribuições elencadas no Código de Processo Penal e demais legislações extravagantes pertinentes acerca de suas atividades, afora as atribuições administrativas correspondentes, não se podem ou poderiam olvidar do disposto no artigo 3º do referido código quando se reportando à lei processual, bem coloca que a mesma “... admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito...”.

E o que faz um operador do Direito Penal no campo inquisitorial, quando na manipulação da legislação processual específica ao interpretá-la perante os fatos, adequando-os provisoriamente aos dispositivos penais violados ou sob acusação de suas violações, ao providenciar a materialização aplicativa das leis processuais penais que regem o fato em si, e pela natureza instrumental põe elementos a disposição para a busca da paz social e reparação de danos que, em tese, procurar-se-á fazer valer, provisoriamente, o direito material penal ou reparação dos danos conseqüentes ao propor solução diversa dos conflitos ou disponibilizando meios para tais?

Na própria dinâmica da tramitação de um TCO - embora os princípios da celeridade, economia processual, oralidade, dentre outros norteadores da Lei das Pequenas Causas - já é fato constatado acerca da enorme burocracia correlata ao impulso oficial do mesmo, tendo, diversas vezes, resultados ineficazes (que pesem os esforços de alguns membros sensíveis dos demais órgãos da persecução penal, Ministério Público e Poder Judiciário ante suas deficiências estruturais por que também os passam inclusive em noticiários locais recentes acerca da problemática que vêm enfrentando os Juizados Especiais Civis e Criminais em toda a Capital, denunciados pela OAB/MA, tendo como vítimas os cidadãos que necessitam de seus serviços assim como profissionais que atuam no campo respectivo). Pois, desde a lavratura de um TCO, remessa e processamento judicial, existem duas fases de se tentar a conciliação das partes, uma perante um conciliador que é um terceiro, outra perante o juízo na proposta de transação penal (nada impedem de haver outras tentativas de conciliações até a sentença de mérito emergente). Fases essas onde demonstram cabalmente que, teleologicamente, busca-se a solucionar conflitos penais correspondentes aos crimes de menor potencial ofensivo, da maneira mais plausível possível, ou seja, tentar-se-á a reparação do dano causado à vítima (ainda que em pedido de retratação ou reparação do dano material sofrido, pela infração penal acontecida).
E referidos apreciadores dos casos assim os devem fazer nas formas conciliativas ou mediativas (são situações tecnicamente diferentes), justamente porque o fim maior da Lei das Pequenas Causas, no âmbito penal, não constitui a simples, conservadora e automática aplicação do princípio de retribuição meramente punitiva ao autor do fato criminoso ocorrido, mas pacificação do conflito visando romper ou eliminar confrontos, dentre outras importâncias não repressivas, obviamente. Contanto, que a harmonia entre as parte seja o resultado maior.

Nesses últimos dois anos algumas Autoridades Policiais lotadas na Delegacia Especial do Maiobão, 4° DP e 14° DP têm, mediante acordos e conclusões mútuas, veementemente zeladas pela busca da conciliação prévia na totalidade dos casos que têm sido objetos de apreciações correspondentes. De forma que, no universo de 400 ocorrências policiais registradas e apreciadas, 99% foram obtidos conciliações, isto, obviamente depois de dedicadas mediações perante as partes, onde, após estas aceitarem a composição do conflito mediante aplicação do referido procedimento inerente ao instituto da conciliação, foram lavrados o termo específico chamado “Termo de Acordo Extrajudicial inerente à Ocorrência Policial nº. X”, cujo teor, além das consignações de praxe, registra a conciliação, assim como a “desistência voluntária de prosseguirem a lavratura de qualquer procedimento policial que coubesse à espécie”. Tudo, pós-valoração jurídica da Autoridade Policial que efetivou a gestão do conflito em face da crise estabelecida, embora extremamente cansativa referida forma inovadora de se proceder, justamente pela falta de estruturas materiais e imateriais por que vêm passando as Delegacias de Polícia em nosso estado, e por não dizer nos demais estados da Federação brasileira. Porém, com um valor de retorno profissional e pessoal grandioso e, podemos asseverar, acredito, incomensuráveis perante as insensibilidades incautas muito presentes na coletividade como um todo. Basta experimentarem e verem com é possível fazer o diferente diante de uma rotina rotulada pelas vias dos comuns.

Claro que surgirão inúmeros questionamentos ao procedimento interno que vem sendo adotado pelas Delegacias acima, sobretudo nos campos jurídicos ou até mesmo subjetivo social, onde poderão, talvez, achar que há até desvio ou usurpação de função ou coisa da natureza em face de à autoridade policial não cabe penetrar nos âmagos subjetivos das partes em conflitos, mas apenas apreciação meramente objetiva para fins de, “roboticamente”, procederem apenas à lavratura do TCO, como finalidade precípua de sua função. Puro e irreal equívoco, primordialmente nestes tempos dito hodiernos na acepção mais holística possível, onde a integração interdisciplinar dos saberes, mais precisamente de todas as ciências, é fato indubitável nos tempos atuais, sob pena de se ingressar no rol do arcadismo mais primitivista esposado na história da humanidade pela prática reiterada da redundante forma de pensar tido como mecanizada e tão combatida pelas ciências sociais contemporâneas em virtude da despersonalização do homem e impressão no seu ser de uma mascarada redução de sua própria existência humana num verdadeiro processo de coisificação dita ironicamente “moderna”.

É evidente a imprescindibilidade de as instâncias superiores da Polícia Civil abraçarem essa causa e, promoverem, através de uma articulação interinstitucional com a Secretaria de Segurança Cidadã, para que esta, por meio da Academia da Policia Civil, realize em caráter emergencial um Curso específico de “Mediação ou Conciliação” para todas as Autoridades Policiais integrantes da corporação Polícia Civil do estado. Entendo que grandiosos frutos poder-se-ão se usufruir com essa iniciativa.

Caso tome corpo tal procedimento, ganhar-se-á a sociedade, a própria instituição “Polícia Civil” e elevar-se-á a representatividade do conceito das Autoridades Policiais perante a opinião pública como um todo, primordialmente na quebra do tabu estigmatizador histórico por que carrega o cargo de Delegado de Polícia à luz das nefastas adjetivações oriundas dos antigos DOPS ou órgãos correlatos, por que passaram diversos os órgãos de Segurança Pública, ocasiões em que desviaram suas funções e os puseram no rol de serviços prestados pelos famosos órgãos da repressão registrados na histórica política deste país. Tudo para que, inegavelmente e de forma atual e criticamente moderna, se possa estabelecer uma verdadeira e compromissada maneira de se rebuscar a composição prévia dos conflitos sob apreciação dos Delegados de Polícia, nas hipóteses correlatas aos crimes de menor potencial ofensivo, usando, obviamente, não as vias tidas como convencionais oriundas das formalidades rígidas legais, mas primeiramente pela apreciação humana da real causa que levou dois seres humanos se confrontarem ou se agredirem mútua ou unilateralmente, onde, outros instrumentos não se usarão senão a voz, a paciência e a compreensão que todos somos portadores do vírus da reação irracional, às vezes, como simples defesa, diante de uma afronta instintiva do “outro” ser, que, adormecidamente está dentro de todos nós.

Talvez aí esteja a libertação cristã (embora laica) de todos, inclusive para quem vai promover a mediação utilizando-se do reflexo das imagens emitidas pelas partes conflitantes em sua própria pessoa, pois, “...amar ao próximo como a ti mesmo...”, só tem validade em nosso cotidiano, acredito, se realmente internalizarmos ou despertarmos essa singela mensagem de Deus, tão decorada e esposada em nosso subconsciente, porém realisticamente inaplicada em nosso dia a dia, tanto pessoal como profissionalmente em nosso viver tão efêmero que é a nossa passagem por essa casa mãe chamada Terra.

Sebastião Uchoa – Delegado de Polícia Civil no Maranhão e Membro da Diretoria Executiva da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Maranhão e atual Diretor Geral da Academia Integrada de Segurança Pública – Polícia Civil, e-mail http://uchoa39@yahoo.com.br.

3 comentários:

  1. Olá, sebastiao uchoa,

    Sua colaboração "A face conciliadora da autoridade policial"
    para o site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
    acaba de completar a votação necessária e ser publicada em
    definitivo. Ela agora está disponível no link:

    http://www.forumseguranca.org.br/artigos/a-face-conciliadora-da-autoridade-policial

    Abraços e parabéns!

    FSP

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  2. Olá, sebastiao uchoa,

    A sua colaboração "A face conciliadora da autoridade policial" acaba de receber um novo
    comentário no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
    Para visualizá-la, clique no link abaixo:

    http://www.forumseguranca.org.br/artigos/a-face-conciliadora-da-autoridade-policial#c2346

    Abraços!

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  3. SR. Sebastião Uchoa – Delegado de Polícia Civil no Maranhão e Membro da Diretoria Executiva da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Maranhão e atual Diretor Geral da Academia Integrada de Segurança Pública – Polícia Civil

    Estou elaborando meu projeto final (monografia) do curso de Direito com o tema "A eficácia da conciliação realizada pela polícia civil nos crimes de menor potencial ofensivo", na faculade facitec em Taguatinga-DF.
    Com a justificativa de fornecer maior celeridade a justiça entre outros motivos. Assim gostaria de contar com a sua colaboração enviando fundamentos juridicos neste tema, uma vez que seu artigo Lançada a 4ª edição da Revista Brasileira de Segurança Pública muito enriquecerá o trabalho. grato, leonardo.

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