quarta-feira, 27 de maio de 2009

Redução da idade penal

Redução da idade penal

Por Sebastião Uchoa

O atual Direito da Infância e da Juventude tem como princípios os valores fundamentais e universais da pessoa humana que, por intermédio da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, foram introduzidos no Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Em sintonia com a normativa internacional e os princípios constitucionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, objetiva a implementação de Políticas Públicas capazes de promover a inclusão social e jurídica de adolescentes envolvidos com a criminalidade. O Direito presente no ECA visa disciplinar as regras de conduta, delineia modelos organizadores e indica valores substanciais para a Ordem Política e Social do país, isto concretamente resulta na intervenção estatal em duplo sentido voltados à infância e à juventude: o sancionador e o socializador.

O sentido socializador se configura pela ressocialização e reeducação do menor infrator, diante de políticas sócio-educativas elencadas pelo ECA, conjuntamente com a responsabilização do Estado face à educação e ensino profissionalizante ao menor. Desse modo, citado diploma legal se qualifica como um importante instrumento jurídico perspicaz à regulação dos direitos e responsabilidades dos adolescentes.

No que pertine ao sentido sancionador, exsurge pela imposição do respeito ao que prevê a norma Estatutária, e também aos princípios constitucionais inerentes ao menor, inviabilizando que qualquer medida de alteração ou redução da idade penal seja admitida.
As crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e, portanto, titulares de proteção legal e social e, foi com o advento da Constituição Federal de 1988, que os menores foram formalmente protegidos por idéias centrais sob óticas de “Garantias Constitucionais” referentes a direitos e responsabilidade penal, respectivamente.

A Lei Maior reporta no artigo 277 que a garantia aos direitos das crianças e dos adolescentes são de absoluta prioridade por parte da família, do Estado e de toda a sociedade, e também alude no artigo 228 que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às normas de legislação especial”. Significando, desta feita que, os menores de 18 anos, não são punidos no âmbito do Código Penal Brasileiro, mas sim, punidos nas sanções previstas em sua legislação específica, de forma que, em circunstâncias alguma se admitirá inserção de valores do Sistema Penal e seus reflexos, nos procedimentos de recuperação adotados e previstos para os seres que ainda estão em fase de desenvolvimento, embora a sociedade leiga contemporânea muito questione acerca do grau de percepção dos menores infratores ao praticarem condutas reprováveis e previstas na citada legislação aplicáveis às suas situações.

Muitos acreditam que a lei não responsabiliza os adolescentes infratores pelo fato de os mesmos não possuírem discernimento entre o certo e o errado, contudo, esta idéia é equivocada e recheada de ideologias, sobretudo por posições dominantes e discriminatórias oriundas dos pensamentos meramente “aburguesados” na atual conjuntura social, vez que, tal argumento caracteriza-se em uma ficção jurídica, já que não há sentido em acreditar que exatamente à zero hora do dia em que o menor completar 18 anos de idade, passe, por um toque de mágica, a compreender tudo o que faz, ao contrário do minuto anterior, no qual o menor ainda não havia completado a maioridade, não “entendendo” o que fizera.

A Carta Política de 1998 quando fixa idade penal em 18 anos, não leva em consideração apenas a capacidade de discernimento, mas também e fundamentalmente a inadequação do Sistema Prisional Penal para recuperar um jovem que ainda está em processo de desenvolvimento de sua personalidade. Assim, o cerne correspondente à redução da maioridade penal, se mostra falacioso e demagógico, visto que, com a redução da idade penal ocorrerá o envio dos menores para o Sistema Penitenciário, que certamente está necrosado, se não pior que o Sistema Fundação do Bem Estar do Menor-FEBEM. Por isso, qualquer alteração na idade penal não será conjugada nem vista como uma nova concepção de Justiça e de reeducação do menor infrator, pelo contrário, estaremos varrendo a sujeira para debaixo do tapete dos ideais de Justiça Social, tanto aclamados por esse país a fora.

A redução da maioridade penal se mostra flagrantemente inconstitucional. A garantia dos Direitos Fundamentais contra proposições legislativas restritivas do direito de liberdade é base de todo o Estado Social e Democrático de Direito. Assim, todos os Direitos Fundamentais, prima face, previstos na Constituição Federal, são acobertadas pelas chamadas “cláusulas pétreas”, a exemplo, os Direitos da Criança e do Adolescente, a inimputabilidade aos menores de 18 anos, dentre outros.

O limite fixado para a maioridade penal não pode ser confundido com a idéia de desresponsabilização da juventude, a inimputabilidade não é sinônima de impunidade. É uma ilusão acreditar que o Sistema Penitenciário Brasileiro poderá transformar adolescentes autores de atos infracionais em cidadãos que possam contribuir produtivamente na sociedade quando egresso à mesma, primordialmente condenando o método biológico adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA. O que se tornará até mesmo uma demagogia jurídica ante as inúmeras contradições aflorantes. Sendo assim, falaciosa a argumentação de que o ECA protege os menores de 18 anos, incitando a marginalidade infanto-juvenil, ao dispor o caráter biológico para efeitos penais, circunstâncias em que teríamos apenas um rebaixamento para efeitos de punição aos menores infratores, e não a efetiva e concreta solução para o cerceamento da violência juvenil, onde inevitavelmente, acreditamos, teremos como conseqüências:a transformação do adolescente (em especial os oriundos das classes mais paupérrimas deste país) no “bode expiatório” responsável pelo clima de violência e insegurança social; a desqualificação do ECA como instrumento jurídico na regulação dos direitos e responsabilidades dos adolescentes; a caracterização da inconstitucionalidade em virtude de contrariar dispositivos constitucionais elevados aos patamares de cláusulas pétreas e o desvio de atenção da opinião pública às causas reais da violência, que são o desemprego, a corrupção e sua impunidade, a desigualdade social, o fracasso dos mecanismos de controle social, e a desresponsabilização do Estado e da sociedade no atendimento e suporte às crianças e aos adolescentes.

É óbvio que os argumentos dos defensores da redução da idade penal, versam somente com a diminuição do patamar etário e a imposição de penas rígidas a serem levadas aos adolescentes infratores, notadamente àqueles que cometerem atos infracionais tidos como crimes hediondos pela legislação comum, são oriundos do famoso “Movimento Lei e Ordem” que buscam e preconizam impor uma disciplina mais rigorosa aos criminosos independente da faixa etária, pretendendo reduzir a incidência destes delitos em altíssimo grau de evolução na sociedade com inúmeras patologias sociais ainda a serem remediadas ou estancadas em suas origens epistemológicas.

Entretanto se nasce, rebuscados nos mais diversos valores de pesquisas dos maiores abnegados e sonhadores deste país, uma resposta mais coerente à problemática em tela, qual seja, o hodierno movimento “intervenção mínima” no direito de liberdade dos infratores, independente da idade dos autores das infrações penais, mas numa contunda observância nos problemas sociais do país como forte promovedores ou provocadores da criminalidade violenta (e por que não da sociedade criminógena?) que não só germina os atores infanto-juvenis, mas a todas as classes e camadas sociais que compõem o tecido social brasileiro.

Somos profundamente contra a redução da maioridade penal, pois acreditamos que a busca por soluções humanistas e democráticas diante da violência e da criminalidade entre os jovens necessita de diagnósticos comprometidos com a verdade e com as novas tendências da Política Nacional Criminal, primordialmente com vistas ao caráter, de prevenção e proteção da dignidade humana.

Ante as argumentações acima, poderemos asseverar que um estudo para fins de aumento no período de internação como forma indireta de frear qualquer conduta ilícita cometida por adolescentes infratores na crescente violência urbana, lato sensu, associado a um longo e trabalhoso tratamento psico-pedagógico, é que poderíamos passar a refletir melhor a proposta de emenda à Constituição Federal nº 90/2003 da lavra do Excelentíssimo Senhor Senador MAGNO MALTA, porém em âmbito infraconstitucional à luz da própria alteração na legislação específica pertinente, por conseguinte, além da várias “Garantias Constitucionais” serem preservadas, menos problemático e burocratizante, acreditamos, poderemos vislumbrar saídas concretas aos desafios correspondentes. Basta que reflitamos o conjunto e não parte do todo e não cairmos nas falácias plantonistas que alienada ou propositalmente esquecem ou se fazem por esquecer que “só um maciço esforço de resgatar a dívida social o mais rapidamente possível, junto com uma profunda revisão do nosso falido modelo de segurança e justiça, é que nos permitirá vislumbrar no horizonte um país menos injusto e violento. O resto são mitos ou demagogia de quem busca na manipulação do medo uma fonte de lucro e poder”, bem arrematado pela pesquisadora Julita Lemgruber em seu artigo “O CONTROLE DA CRIMINALIDADE: MITOS E FATO”, publicado no livro “Insegurança Pública” da Editora Nova Alexandria.

SEBASTIÃO UCHÔA – Delegado de Polícia Civil no Maranhão e, ex-Diretor Executivo do maior Presídio do Norte/Nordeste, Prof. Aníbal Bruno/Pernambuco, atuou como Superintendente de Polícia Civil da Capital e por último foi Secretário Adjunto de Administração Penitenciária da então Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania do Maranhão-SEJUC/MA, é Especialista em Docência Superior pela Universidade Federal do Maranhão com atuação nas áreas da Sociologia do Crime e da Violência Criminal, e de Direito Penitenciário, nos Cursos de Formação de Oficiais e Praças da Polícia Militar do Maranhão, bem como da Academia Integrada de Segurança Pública nos diversos Cursos de Formação de Delegados, Agentes, Escrivães, Comissários e Agentes Penitenciários do Sistema de Segurança estadual, atualmente estar Diretor Geral da Academia Integrada de Segurança Pública – SSP/MA
Publicado em 2005 nos jornais de grande circulação Capital maranhense, assim como no Jornal da ADEPOL/MA

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