segunda-feira, 25 de maio de 2009

Por uma gestão penitenciária não policialesca

Por uma gestão penitenciária não policialesca

Por Sebastião Uchoa

Não é possível ficarmos mais filosofando na superficialidade dos preconceitos ou conceitos ideologizados da função da pena em todo o território Nacional, brincando de Execução Penal e, assim, rasgando veementemente os preceitos jurídicos insertos na Carta Política do país, assim como na própria Lei de Execução Penal Brasileira, ainda em pleno vigor, porém sem a eficácia de sua efetividade em razão da histórica ausência de Política Pública específica nos quatro cantos desse imenso continente chamado Brasil.

Existem argumentos mais vis possíveis tentando justificar o completo descontrole da atividade penitenciário no Estado do Maranhão, ou seja, é “pela falência ou ausência de políticas públicas implantadas em gestões passadas por que estão recolhendo o caos em todas as Unidades Prisionais do estado”.

É bom desenterrar o passado recente e verificar que, nada mais que há dois anos, existia uma total legitimação da gestão penitenciária para com a massa carcerária e seus familiares, cujas relações foram construídas mediante processos de integração contínua, onde, praticamente formaram-se parcerias (não promiscuidades) pertinentes, tal como a criação e implantação da própria Associação dos Familiares dos Apenados do Maranhão - AFAMA (a primeira, talvez, no país), onde se começou a participar ainda que indiretamente de inúmeros eventos para ressocialização de seus entes entregues a custódia do Estado por razão de práticas delitivas. Em momento algum se foi pregado o descaso com dívida que os apenados têm para com o poder de prevenir e reprimir crimes dentro da sociedade. Mas o pagamento da dívida pelo crime cometido, porém de forma serena, digna e com cunho profundamente pedagógico para com a condução da pena em si, e dos apenados por tabela, visando sempre sua reintegração social.

De forma pioneira ainda que recebendo resistências dos “letrados” de plantão, quebrou-se o tabu de que, apenados mesmo estando em regime fechado, não pudessem trabalhar fora das Unidades Prisionais, ocasião em que, depois de um rigoroso critério de seleção, foram substituídos todos os empregados terceirizados que faziam serviços de limpeza, conservação, atendimento ao público, xerocopiador etc, na sede da então Secretaria de Justiça e Cidadania e dos demais órgãos que a compunham na época, pela mão-de-obra carcerária, onde inicialmente foram colocados 50 apenados, sendo 35 do regime semi-aberto e 15 do regime fechado. Tal medida funcionou como uma expectativa para os outros apenados que ficaram em lista de espera dentro das Unidades Penais. De forma que, em muito se obteve em grau de disciplina prisional assim como verdadeiro implante de esperança para com a massa carcerária.

Mesmo com as dificuldades governamentais, nenhum dos Secretários de Justiça que passaram pela então pasta, recuou em promover suas políticas de gestão, pois, foram retirados todos os presos das Delegacias Regionais de Timon e Pedreiras, onde viviam em condições subumanas, assim como mensalmente eram disponibilizadas entre 40 a 50 vagas (mediante critérios de saídas e vagas a abrir) para os presos custodiados nas Delegacias da Capital, isso sem falar da forma criativa inerente a retirada das apenadas que cumpriam suas reprimendas penais juntamente com os apenados, praticamente dentro do mesmo ambiente carcerário, onde foram alojadas no Centro de Ressocialização e Integração das Mulheres Apenadas – Crisma, localizado no bairro do Olho D’ água. Isto sem se falar das reformas realizadas no famoso pavilhão Fundão da Penitenciária de Pedrinhas e em todo o teto da carceragem do Presídio São Luís, dentre outras ações pontuais. Contudo, registre-se: mesmo sem recurso ou com parca sobra que se tinha do orçamento mensal para a gestão de toda a SEJUC.

Associado às ações acima, foram convocados todos os agentes penitenciários que haviam participado do último certame público, bem como realizados inúmeros cursos de capacitação contínua para todos os servidores penitenciários. Sempre os doutrinando dentro dos preceitos norteados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, embora com poucas absorções, ante das dificuldades culturais preexistentes na formação de suas respectivas personalidades.

No âmbito dos procedimentos de condução de apenados para os fóruns e hospitais, foi criado o Grupo Especial de Escolta e Custódia (GECOC), além de os componentes serem rigorosamente selecionados, foram treinados dentro de uma ótica eminentemente humanística, depois uniformizados e lhes dispuseram armamentos com viaturas novas para a consecução dos trabalhos, onde, ao final do governo que se antecedeu, ainda foram repassadas 06 (seis) viaturas tipo sprinter adquiridas com recursos do Fundo Penitenciário Nacional/MJ, para efetivação da atividade de escolta, conseguidas mediante várias interseções perante o Governo Federal pelos gestores penitenciários que por ali antecederam as pastas da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, como também Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária. E onde está o efetivo controle disso tudo?

O que não se pode esconder é o caráter visivelmente policialesco. (porque de Polícia mesmo na acepção de proteção mais ampla possível, nada se tem) que se urge a se dar à atividade penitenciária estadual, sobretudo mudando os arquétipos humanísticos por ali implantados ao longo desses últimos 04 anos que antecederam a atual gestão governamental, embora os possíveis esforços latentes de alguns segmentos governamentais, mas se utilizando de equivocadas trilhas, talvez.

Ficaram e ainda ficam evidentes as assertivas supra quando ainda no ano que se findou e diante das crises ocorridas nas unidades prisionais que passaram e continuam passando, se quer foram e se tem obedecido aos critérios da Doutrina de Gerenciamento de Crise para com a debelação das mesmas, mas o uso abusivo da força pública em desvios finalísticos contundentes que posteriormente foram e são noticiados em vários jornais em todo o estado. Dando-se a entender para os mais esclarecidos e conhecedores da matéria que, estivemos e estamos, obviamente, diante de tudo numa visão objetivada de gestão, menos de promoção de cidadania plena tão em voga nas mensagens vindas da Secretaria de Estado da Segurança Cidadã, pois à força na ação estatal é que se tem dado prioridade, e não à razão preventiva de se criar mecanismos de detecção e antecipação coerente com dissuasão, sem perdas de vidas humanas e/ou dilapidação do patrimônio público, ou mera promoção de atos politiqueiros executados por atores direto e indireto que lidam com o ambiente penitenciário cotidianamente no estado do Maranhão.

Fica também evidente que desconhecem conceito singelo de que a massa carcerária se manifesta diante de seu “encurralamento” desnecessário, mediante atos de desesperos, cujos resultados vão desde uma fuga ou tentativa frustrada, como homicídios entre eles, suicídios, promovendo motins ou rebeliões etc. Na verdade, são as vozes dos “morros” vindas da sociedade intra-muros penitenciários a fim de chamarem a atenção da sociedade civil e dos próprios poderes constituídos quanto aos problemas internos por que vêm passando a rotina interna prisional sobre vários aspectos (corrupção, espancamentos, torturas, maus tratos, facilitação de fuga ou de entrada de drogas e/ou aparelhos celulares etc). E quando o espelho se ofusca a cada dia que se passa, o reflexo da não ressocialização deságua inegavelmente na ausência de qualquer projeto ou programa que possa eficazmente reverter o terrível quadro que se tem vivenciado nos mais diversos ambientes das penitenciárias ou presídios maranhenses, já que os dias com seus respectivos fatos se repetem incrivelmente.

É preciso começar a se chamar a responsabilidade de tudo que vem acontecendo dentro do ambiente penitenciário estadual, além dos executores diretos dos delitos acontecidos nas relações internas penitenciárias, obviamente, mas também a promoção de investigação específica a cargo do próprio Ministério Público estadual em sede de Inquérito Civil Público, correlato a apurar crimes de responsabilidade correspondente, a exemplo, de como e por que fora de forma aleatória, sem planejamento e projeções, retirados todos os presos das Delegacias de Polícia Civil da Capital e o pior, destruíram as celas existentes nestas a fim de não receberam mais presos autuados, quando na verdade se quer a Unidade Prisional recentemente edificada dava para suportar o efetivo de encarcerados existente nos Distritos Policiais, e as Unidades Prisionais existentes na capital, já que estavam em situação de superlotação?
Não podemos esquecer que atos desvinculados de interesses públicos foram denotados, onde foram explorados vários meios de comunicação de massa, a fim de darem “notoriedade” para a questão da saída dos presos das carceragens das Delegacias de Polícia Civil localizadas nesta cidade, onde, inegavelmente deveriam sair, mas não da forma que foram realizadas as remoções, como sendo um fato de uma grande ação de gestão governamental. Puro engano e evidente falta de lógica administrativa ante a provável inexistência dos estudos de projeção para com os efeitos, hoje facilmente sentidos por todos nós, pois sangues e vidas jorram cotidianamente oriundas dos presídios, às vezes por imperícias, outras, possivelmente por maldades humanas. São as incógnitas flutuantes que vêm à baila para quem reflete e já viveu parte daqueles nefastos contextos.
A tristeza disso tudo é se ver repetir diariamente os contextos e suas respostas serem eminentemente de caráter repressivo e não de cunhos voltados para ressocialização, muito menos preventivo, mas instigadoras de rebeldias insensatas de todas as partes, e o pior, o argumento utilizado para sustentar a falência administrativa, envergonha qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade e educação política, ou seja, que “herdaram erros do passado e estão tendo dificuldades de os corrigirem no presente”, pois o “atraso é histórico”, politizando desta feita, uma situação tão séria que é exatamente trabalhar com e para vidas humanas, independentemente de quem as sejam: apenados, familiares, servidores ou da própria sociedade que voltará ser vítima do descaso que faz o poder público com a causa penitenciária estadual como um todo. Basta ver o altíssimo grau de reincidência criminal estampado diariamente nos jornais de grande circulação.
Assim, ou se muda a lógica policialesca, e, portanto, de negativa de qualquer promoção de cidadania correspondente, muito em evidência na condução da coisa pública penitenciária estadual nesses últimos anos, ou brevemente não teremos rios suficientes para desaguarem os mares de sangue que dali poderão sair com toda a pujança de expressão animalesca humana como forma mais primitiva de reagir a outras ações inconscientemente humanas de caráter administrativo, pois de uma forma ou doutra, não se recomenda “cutucar o cão com vara curta”, por conseguinte nem sempre se recolhe do caos, mudanças qualitativas e quantitativas dos contextos, já que sempre é “melhor prevenir a remediar”, pena que para os incautos, vaidosos ou arrogantes, isso dificilmente se internalizam. A não ser a própria força da erupção vulcânica que fará com que tudo se mude a qualquer momento. E o dilema maior será quem vai ser a próxima vítima, cuja resposta, acredito, outra não será senão todos nós que pagamos a tudo e a todos, poderemos ter essa afirmativa como certeza maior.
Sebastião Uchoa - Delegado de Policia Civil no Maranhão, ex-Secretário Adjunto de Administração Penitenciária,membro da Diretoria Executiva da ADEPOL/MA e atual Diretor Geral da Academia Integrada de Segurança Cidadã –publicado em o Estado do Maranhão, outubro/2008.

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